Desde tempos imemoriais a alimentação tem sido relacionada com o bem-estar do estômago e intestinos. Exemplos deste conhecimento empírico chegaram até aos nossos dias, com a utilização de infusões de ervas diversas para o alívio de sintomas de dispepsia, ou de plantas laxativas para a obstipação. Mas, para lá destas práticas ancestrais, de que forma se relaciona a alimentação com a nossa saúde digestiva?
Desde logo, é importante considerar o papel de determinados nutrientes no normal funcionamento do aparelho digestivo, sendo as fibras as mais reconhecidas. O padrão alimentar ocidental pós-revolução industrial, com alimentos mais processados e refinados, levou a uma quebra significativa na ingestão de fibra. Em Portugal, por exemplo, o consumo individual diário de fibra é de 17,8 g, abaixo dos 25 g recomendados pela OMS. Este consumo reduzido de fibra, solúvel e insolúvel, associa-se a uma série de problemas de saúde digestiva, nomeadamente o risco aumentado de cancro colorretal.
Outro aspeto importante é o teor e tipo de gorduras na alimentação, e seu efeito na digestão e absorção dos nutrientes. É sabido que dietas ricas em gordura, em particular triglicéridos de cadeia longa, se associam a um aumento dos sintomas de dispepsia[iv]. Mas o excesso de gordura saturada e trans na alimentação tem também impactos na permeabilidade do intestino e a absorção de nutrientes, assim como no microbiota.
Também a hidratação deve merecer atenção quando falamos de saúde digestiva. Desde logo, porque a água participa, direta e indiretamente, nos mecanismos da digestão. Mas um bom estado de hidratação é também importante para regularizar o trânsito intestinal, assegurar a adequada consistência das fezes e equilibrar a composição do microbiota.
Para além do impacto direto dos nutrientes, deve ainda considerar-se que a alimentação pode impactar a saúde digestiva indiretamente. A obesidade, causada pela má alimentação, relaciona-se com uma série de distúrbios e patologias do aparelho digestivo. Por exemplo, a obesidade é um conhecido fator de risco para a DRGE (doença do refluxo gastroesofágico) e associa-se positivamente com vários cancros do aparelho digestivo.
Mas não é só aquilo que comemos que impacta na nossa saúde digestiva. A forma como comemos é igualmente relevante. Sabemos que comer depressa e mastigar mal os alimentos aumenta a probabilidade de refluxo gástrico e se associa com aumento de peso. E é também conhecida a associação entre o hábito de ingerir bebidas muito quentes (como chá ou café) e cancro do esófago.
Por tudo isto, parece óbvio que os hábitos alimentares podem influenciar a saúde do nosso aparelho digestivo. Sendo a alimentação um aspeto diário das nossas vidas, faz sentido a adoção de cuidados simples na escolha de alimentos e na forma de comer, tendo em vista a manutenção de um bom estado geral de saúde e, em particular, de uma boa saúde digestiva! O padrão alimentar mediterrânico, rico em fontes de fibra (hortaliças, cereais integrais e leguminosas), pobre em gorduras saturadas (com mais azeite e ácidos gordos do pescado) e que contempla também o convívio à mesa é, sem dúvida, um bom ponto de partida.
Aproveitemos então os dias mais longos deste mês de Junho, que é também o mês da Saúde Digestiva, para comer melhor e em boa companhia!
Rodrigo Abreu, nutricionista da Federação Portuguesa de Futebol