A ecografia digestiva tem-se tornado nos últimos anos um método de diagnóstico imprescindível e de primeira linha tanto no diagnóstico como na monitorização dos pacientes com Doença Inflamatória Intestinal (DII). Embora tradicionalmente este exame fosse sobretudo utilizado para observar os órgãos abdominais como o fígado, vesícula, baço, pâncreas, etc, os avanços da técnica, nomeadamente a utilização de sondas especiais de alta frequência, vieram permitir ultrapassar as limitações na observação da parede do trato gastrointestinal (nomeadamente intestino delgado e grosso), cuja presença de conteúdo gasoso causa habitualmente muitos artefactos e distorção das imagens. Na ecografia o intestino consiste num tubo concêntrico com parede de espessura entre 3 a 4 mm e tem quatro camadas que são visíveis.
Os segmentos intestinais inflamados, como ocorre na DII, são particularmente visíveis pois essa espessura está aumentada e desta forma mais visível, sendo que esta inflamação condiciona também alteração da normal motilidade. No caso da Colite Ulcerosa (CU) como só afeta uma das camadas (mucosa do intestino grosso) só costuma ser visível sobretudo nas crises mais graves. Na Doença de Crohn (DC), em que todas as camadas da parede de todo o trato gastrointestinal podem ser atingidas podem ser visíveis outras complicações como estenose do lúmen e ou penetração da inflamação para os tecidos vizinhos resultando na formação de abcessos (difusão do conteúdo do lúmen intestinal na cavidade abdominal) ou fístulas (canais que ligam e drenam o conteúdo do intestino à pele ou a órgãos adjacentes como bexiga ou partes do intestino).
Para além de se aproximar das outras técnicas de imagem na acuidade diagnóstica (ressonância magnética e TAC abdominal) apresenta inúmeras vantagens: maior segurança, isenção de radiações, boa tolerância, pouco dispendiosa, disponibilidade na maioria dos hospitais, de repetição fácil no mesmo doente (nomeadamente a sua realização pode ser efetuada em gabinete na consulta) e fornece dados em tempo real nomeadamente a motilidade da parede intestinal, o que não é possível com outras técnicas. A sua utilização tem sido vasta, nomeadamente na avaliação da resposta aos tratamentos e para seguimento após cirurgias. Num contexto de crise numa urgência, pode por exemplo evitar o recurso a exames imagiológicos invasivos, cirurgias e hospitalizações desnecessárias. Neste exame são avaliados e descritos vários parâmetros como localização da doença e extensão da mesma, determinação do grau de espessura das camadas que traduzem o grau de inflamação, presença de reações inflamatórias extra-intestinais (abcessos, fistulas), gânglios e derrames. Claro que a interpretação final requer a integração com a história clínica, sintomas e outros estudos analíticos, de imagem ou endoscópicos. Com a ecografia não se pretende substituir as colonoscopias ou ressonâncias, pois estas mantêm as indicações, mas em muitas ocasiões pode de facto evitar as mesmas. A ecografia na avaliação da DII pode também ser utilizada com intuito terapêutico como por exemplo nas punções e drenagens de abcessos abdominais e colocação dos respetivos cateteres de drenagem. Como referido a ecografia intestinal é uma técnica inócua, indolor, geralmente requer menos de 30 min a realizar. É recomendado o jejum entre 6 a 8 horas embora o mesmo não seja imprescindível para a exploração intestinal.
Para melhorar a acuidade diagnóstica, nalguns casos pode ser utilizado contrate oral (SICUS) que consiste na ingestão de solução de polietilenoglicol (entre 500 a 1000cc) ou contraste endovenoso (CEUS), sendo este particularmente útil na avaliação do grau de atividade da doença e no estudo dos abcessos. Dada a formação exigente e curva de aprendizagem morosa existem ainda poucos centros onde a aplicação da técnica ao estudo do intestino se encontre completamente instituída. Um grande esforço e empenho tem sido feito pelos Gastrenterologistas nacionais para esta formação e sua implementação nos respetivos serviços.
Drª Margarida Ferreira