Sinais de alerta não devem ser ignorados
Mesmo nas diarreias agudas e autolimitadas, o desconforto do doente é enorme. Os farmacêuticos estão sempre disponíveis para ajudar as pessoas a ultrapassar estas situações, reconhece Eduardo Rodrigues Pinto, membro da Sociedade Portuguesa de Castrenterologia. Mas «é preciso averiguar a gravidade da sintomatologia» porque pode haver «sinais de alarme que justificam a ida ao médico».
A diarreia é uma das situações clínicas que mais afeta a população. Muito provavelmente, todas as pessoas terão, pelo menos, um episódio ao longo da sua vida. Segundo a Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia, corresponde a 20% das idas ao médico em crianças até aos dois anos de idade nos países desenvolvidos. Neste domínio, é importante diferenciar as diarreias agudas das crónicas. As primeiras «são de curta duração (menos de duas semanas), geralmente autolimitadas e muitas vezes relacionadas com uma intoxicação alimentar ou uma gastroenterite aguda», explica o gastrenterologista Eduardo Rodrigues Pinto. «Sendo autolimitadas, geralmente resolvem-se com hidratação e sem necessidade de realizar exames médicos ou terapêuticas complementares». Contudo, há alguns sinais de alarme que exigem uma consulta médica. Por exemplo, «diarreias mais prolongadas, associadas a sinais de desidratação, dor abdominal intensa, febre elevada ou sangue nas fezes». Embora menos frequentes, as diarreias crónicas duram habitualmente mais de quatro semanas. As causas são múltiplas. Em termos fisiopatológicos, podem ser classificadas em osmóticas, secretoras, exsudativas ou por má absorção, contudo, «o princípio é que qualquer processo que aumente a água nas fezes pode causar diarreia». Geralmente, «as diarreias causadas por determinadas infeções víricas ou bacterianas serão secretoras». Por outro lado, doenças que causam inflamação ou ulceração do intestino, como a doença de Crohn ou a colite ulcerosa, causam uma diarreia exsudativa, «devido à perda do normal revestimento do intestino, estando muitas vezes associadas a sintomatologia adicional, como hemorragia, dor abdominal ou emagrecimento».
Existem também situações clínicas ou doenças que impedem a absorção de determinados nutrientes e provocam diarreia. Um exemplo comum é a intolerância à lactose, que ocorre devido a uma deficiência na produção da lactase, enzima que digere a lactose. Outros exemplos de sindrome de má absorção é a pancreatite crónica, onde a ausência das enzimas pancreáticas impede a digestão de vários nutrientes, ou a doença celíaca, que ocorre por incapacidade de absorver glúten, uma proteína presente no trigo e em vários outros cereais. Outra causa comum de diarreia, «e muitas vezes desconsiderada», são os «efeitos laterais da medicação crónica do doente, como alguns anti-hipertensores (como os antagonistas dos recetores da angiotensina), a metformina ou os protetores gástricos». A lista de medicamentos «é enorme». Portanto, «deve ser sempre considerada como uma potencial etiologia, sobretudo se o início da sintomatologia ocorre pouco tempo depois da introdução de um medicamento novo ou alteração na dosagem». A diarreia «é também um efeito lateral frequente dos antibióticos, que ocorre pela alteração da microbiota intestinal (conhecida como disbiose), podendo ser minimizada pela toma de probióticos». Em determinadas situações, «pode permitir o crescimento de bactérias patogénicas, como por exemplo o Clostridioides difficile», que necessita de ser corretamente diagnosticada, dado ser necessário tratamento específico».
Primeiro passo: averiguara gravidade da sintomatologia
De acordo com Eduardo Rodrigues Pinto, «existem três definições possíveis de diarreia: número aumentado de dejeções (três ou mais por dia), diminuição da consistência das fezes ou aumento do volume do material fecal». «A frequência da defecação por si só não é a característica que define a diarreia», esclarece o gastrenterologista.
Diarreia aguda na criança
A diarreia aguda pode ter consequências graves no recém-nascido e na criança, podendo ocorrer desidratação grave após um ou dois dias de diarreia pelo que, nestes casos, se deve ter especial atenção às medidas de reidratação. A criança deve ser observada urgentemente pelo médico, caso se verifique: • sangue ou pus misturado nas fezes; • dor abdominal intensa; • febre elevada ou sinais de desidratação como boca e língua secas; • ausência de lágrimas ao chorar; • olhos encovados ou fontanela deprimida; • irritabilidade.
Algumas pessoas defecam normalmente três a cinco vezes por dia. As pessoas que ingerem grandes quantidades de fibra vegetal podem produzir mais de meio quilograma de fezes por dia, mas, nesses casos, as fezes são bem formadas e não são líquidas. Por outro lado, «há doentes que referem diarreia, mas só vão uma vez por dia ao quarto de banho, muitas vezes ao acordar, geralmente precedido por cólicas abdominais». Embora possam estar associados a patologia orgânica, este tipo de sintomatologia «está muitas vezes associado a patologia funcional, nomeadamente à síndrome do intestino irritável». Mas, regra geral, as situações que levam as pessoas a procurar os farmacêuticos são as diarreias agudas. «Pessoas clinicamente bem, e que de repente, começam a ter várias dejeções por dia». A maioria destas situações é autolimitada. Contudo, «há sinais de alerta e de gravidade que podem ajudar o farmacêutico a sugerir uma avaliação médica: sangue ou pus nas fezes, febre elevada, sinais de desidratação (como micção reduzida, letargia ou apatia, sede extrema e boca seca), diarreia noturna e perda de peso». Estas situações «devem levar o doente a procurar um médico, uma vez que pode ser necessário realizar exames complementares, desde análises a ecografias, ou procedimentos mais invasivos como colonoscopias ou endoscopias… isto é, exames muito variados e ajustados a cada situação». No sentido da melhor orientação para o doente, «o farmacêutico deve tentar perceber a gravidade da sintomatologia». Nomeadamente, «a duração dos sintomas, a ocorrência simultânea em amigos, familiares ou outros contactos pessoais». Outras questões importantes dizem respeito «às circunstâncias em que a diarreia começou (incluindo viagens recentes, alimentos ingeridos e fontes de água), uso de medicamentos (incluindo antibióticos nos últimos três meses), bem como sintomatologia associada».
Desidratação é um perigo real
Nas diarreias agudas ou crónicas «aconselha-se sempre ao doente que se hidrate para manter o equilíbrio hidroeletrolítico». Aliás, as pessoas gravemente doentes ou com distúrbios eletrolíticos significativos, poderão chegar a necessitar de hidratação por via intravenosa e, por vezes, hospitalização. «Numa situação extrema, a desidratação pode ser suficiente grave para levar a desequilíbrios renais e internamento em cuidados intensivos». Mas, cingindo-nos às diarreias agudas e autolimitadas, além de aconselhar o doente para não esquecer a hidratação, a atuação do farmacêutico pode ajudar a aliviar os sintomas do doente quer pela recomendação de reguladores da flora intestinal, quer medicamentos que visam reduzir as cólicas». «Numa diarreia sem muita sintomatologia associada, e sem agravamento do estado clínico da pessoa, o papel do farmacêutico é importante e útil para o doente porque é um primeiro contacto com um profissional de saúde, que o tranquiliza e vai ajudar a sentir-se melhor». Na perspetiva do gastrenterologista, nos últimos anos registaram-se alguns avanços no tratamento farmacológico da diarreia, «sobretudo para as situações mais crónicas e que necessitam de tratamento específico». Se bem que alguns fármacos estejam circunscritos à Farmácia Hospitalar, muitos são dispensados na Farmácia Comunitária. «Os farmacêuticos, enquanto profissionais de saúde, têm também uma grande sensibilidade na avaliação dos doentes com diarreia crónica, quando já existe um diagnóstico e medicação dirigida à patologia de base».
Causas frequentes de diarreia aguda:
As causas de diarreia aguda são variáveis, sendo fundamental uma boa história clínica, para avaliar histórico de viagens recentes, ingestão de alimentos potencialmente contaminados e contacto com indivíduos com sintomas semelhantes. Algumas causas frequentes de diarreia aguda são: Intoxicação alimentar – por ingestão de alimentos ou água contaminados; Gastroenterite aguda – geralmente causada por vírus, bactérias ou protozoários; Diarreia associada a antibióticos (durante ou após o tratamento com antibióticos); Excesso de ingestão de álcool; Abuso no consumo de alguns alimentos (como consumo excessivo de fibras na dieta) e suplementos / medicamentos com efeito laxante.