Saúde Digestiva



Doença Inflamatória do Intestino: Entrevista da Prof. Marília Cravo à agência Lusa

Gastrenterologistas e doentes com doenças inflamatórias do intestino alertam para as dificuldades no acesso a consultas da especialidade e à realização de exames complementares necessários para monitorizar a resposta a terapêuticas inovadoras e evitar complicações da doença.

Na véspera de assinalar o Dia Mundial da Doença Inflamatória do Intestino, que inclui a doença de Crohn e a Colite Ulcerosa, a vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Gastroenterologia (SPG), Marília Cravo, e a presidente da Associação CrohnColite Portugal, Vera Gomes, falaram à agência Lusa sobre a necessidade de melhorar o acesso ao tratamento e acompanhamento destes doentes.”Neste momento, um dos principais problemas é o acesso à consulta da especialidade, às consultas de seguimento, à realização de exames complementares de diagnósticos, porque no tratamento destas doenças não importa só um diagnóstico precoce e o início de uma terapêutica eficaz”, disse Marília Cravo.

Apesar de haver tratamentos inovadores muito eficazes, está cada vez está mais demonstrada a necessidade de avaliar se o doente está a responder ou não a essa terapêutica, considerou.

“Essa avaliação deve ser feita aos três, seis meses e se [o doente] não estiver a responder deve mudar para outro tipo de tratamento”, o que implica “uma disponibilidade de consultas, de acesso a exames endoscópicos, colonoscopias, exames de radiologia, ressonâncias que, infelizmente, está cada vez mais difícil em, pelo menos, muitos hospitais, em muitos serviços de gastrenterologia, do país”, observou.

Marília Cravo adiantou que a “crise que o Serviço Nacional de Saúde está a viver, pelo menos em certas zonas do país, em certos setores, é, de facto, um problema para a estratégia de iniciar tratamento precoce e monitorizar a resposta” ao tratamento, para diminuir a probabilidade de o doente desenvolver complicações e progredir para formas de doença mais grave.

Em Portugal estima-se que estas doenças afetem cerca de 25 mil pessoas, sobretudo adultos jovens, 25% dos quais em idade pediátrica, uma incidência que tem vindo a crescer, aproximando-se, por exemplo, da incidência dos países da Europa do Norte que é das mais elevadas.

Desde 2000, tem havido “muitos avanços no tratamento destas doenças”, com os fármacos biológicos, “que mudaram muito a história natural da doença, evitando formas graves e complicadas da doença”.

Mas, observou, estes tratamentos são mais eficazes quando instituídos precocemente e, por isso, “há um grande esforço” dos gastrenterologistas e também dos pediatras, para que os doentes sejam referenciados quando surgem as primeiras queixas, que se manifestam na idade adulta por diarreia, perdas de sangue, dores abdominais, falta de apetite, e na idade pediátrica, além disto tudo, em atraso de crescimento.

Vera Gomes, 43 anos, foi diagnosticada com colite ulcerosa aos 27 anos. Desde então aprendeu a viver com a doença e a dedicar pelo menos seis horas diárias ao seu acompanhamento, o que disse provocar “um desgaste físico e mental gigante”.

“É um casamento sem divórcio. Só a morte nos vai separar”, comentou, defendendo que “o acesso ao tratamento e ao acompanhamento célere é extremamente importante”.

A doente contou que um dos motivos pelos quais o seu diagnóstico foi relativamente rápido foi por ter um subsistema de saúde que possibilitou ir a um especialista num hospital privado.

“Caso contrário, o tempo médio de diagnóstico em Portugal por uma doença inflamatória de intestino é de cerca de dois anos”, notou, considerando-se “uma sortuda” neste aspeto de ter sido diagnosticado em seis meses.

Vera Gomes voltou a alertar para a necessidade de os especialistas dos hospitais privados poderem prescrever com comparticipação medicamentos biológicos, como acontece para os doentes do foro da dermatologia e reumatologia, uma possibilidade que foi barrada em 2017.

“A injeção que faço de dois em dois meses custa 3.000 euros (…). É impossível as pessoas conseguirem suportar este custo sem que haja uma comparticipação”, elucidou.

Alertou ainda para a “grande disparidade geográfica” no acesso ao tratamento: “Há doentes que têm de se deslocar 100, 200 quilómetros para fazer um tratamento ou para levantar a medicação no hospital”, o que tem um impacto financeiro não negligenciável.

Para assinalar a efeméride, a SPG vai realizar na segunda-feira uma sessão de esclarecimento sobre “Qual o melhor modelo para tratar estas doenças — Centros de referência, Centros de Responsabilidade Integrada, Unidas Especializadas ou outros?”.

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